Arcabouço Científico
Os grandes rios serviram e ainda servem como vias de acesso naturais na região amazônica e, consequentemente, historicamente a maior pressão de ocupação humana centralizou-se ao longo de suas áreas alagáveis. Dada sua maior fertilidade e maiores produtividades de recursos utilizados pelo homem, as várzeas têm sofrido pressões maiores do que aquelas das áreas de igapó, sendo utilizadas multiplamente para agricultura, culturas bovinas e bubalinas, além do extrativismo madeireiro. As florestas de várzea têm um crescimento mais rápido que as de igapó, sendo ambas constituídas por espécies arbóreas muito bem adaptadas às oscilações do nível da água. Apesar do estresse resultante das grandes inundações periódicas, as florestas de várzea têm maior produtividade do que as florestas de terra firme. Da mesma forma, a produtividade de macrófitas aquáticas nas várzeas é muito elevada, e bem superior àquelas das áreas de igapó.
As áreas alagáveis dos grandes rios amazônicos têm ainda grande importância econômica por abrigarem uma rica ictiofauna, sendo as várzeas responsáveis pela produção de cerca de 90% do pescado capturado anualmente pela pesca interior, com um potencial pesqueiro estimado como sendo o dobro dessa produção. Considerando a grande extensão das áreas inundáveis, sua importância econômica, como também a fragilidade desses ambientes frente a iniciativas desenvolvimentistas de grande porte ou impacto, como a construção de grandes barragens e atividades petrolíferas, estudos interdisciplinares intensivos são necessários para o aproveitamento racional dos recursos naturais desses ambientes.
Finalmente, além das áreas alagáveis associadas aos grandes rios, uma multiplicidade de áreas úmidas ocorre em toda a região amazônica. Esses ambientes de savanas e campos alagáveis estão distribuídos em toda a bacia e, embora muitos deles tenham menor potencial econômico que as áreas alagáveis, sua relevância regional em termos de biodiversidade e nos balanços de carbono, nutrientes e gases é grande. Desta forma, estes ambientes devem ser considerados tanto nos estudos científicos quanto nas tomadas de decisões e políticas ambientais.
Evolução dos estudos e abordagem científica do grupo
Década de 1960: os trabalhos realizados cobriram uma ampla faixa da ecologia amazônica, quando o conhecimento geral acumulado sobre os diferentes ecossistemas da região ainda era modesto.
Década de 1970: investigações de caráter mais descritivo, norteadas para:
1. A descrição, classificação e estudos da biologia de vários grupos chave de organismos das áreas alagáveis Amazônicas (algas, comunidades de plantas aquáticas, árvores das florestas inundáveis; rotíferos, artrópodes e peixes).
2. Detalhamento físico-químico das principais tipologias hidrológicas da Amazônia (águas brancas, pretas e claras).
3. Descrição de lagos e rios, e áreas sazonalmente inundáveis com respeito a seus fatores bióticos e abióticos.
Década de 1980: caracterizada por um grande avanço no estabelecimento de padrões e funções nos ecossistemas inundáveis.
1. Foram estabelecidos os padrões de funcionamento das porções limítrofes de transição entre a zonas de bordos solo-água, nas fases aquática e terrestre do ciclo hidrológico.
2. Foi estabelecida a influência da inundação sazonal nos parâmetros físicos e químicos dos lagos de várzea associados aos grandes rios, como também o papel ecológico das macrófitas aquáticas e semi-aquáticas nos ciclos de nutrientes destes lagos. A composição química de igarapés foi avaliada mostrando-se bastante heterogênea.
3. Aumentou o conhecimento das interações entre peixes e as florestas alagáveis, sua distribuição e sítios alimentares, como também as adaptações morfológicas e fisiológicas desses organismos a baixos conteúdos de oxigênio. Nos peixes de escama foi avaliado o impacto da inundação sazonal na história de vida e na formação de anéis de crescimento. Tais informações subsidiaram a criação artificial de peixes.
4. A composição florística das florestas inundáveis e sua contribuição no sistema de áreas alagáveis começou a ser detalhadamente elucidada. A alta produtividade primária das espécies herbáceas foi medida, como também tiveram início os estudos de determinação da idade de árvores por meio de medidas e contagens de anéis de crescimento, a dendrocronologia.
Uma robusta síntese das atividades acima elencadas resultou na publicação do livro The Amazon. Limnology and landscape ecology of a mighty tropical river and its basin (1984), editado pelo Prof. Harald Sioli. Ainda no final da década de 80, em 1989, as informações acumuladas permitiram a formulação do “Conceito do Pulso de Inundação” (Junk et al., 1989). Este conceito estabelece que o pulso de inundação é a variável que direciona os processos bióticos e abióticos, sendo o regulador principal da composição de espécies, das teias alimentares e da dinâmica de nutrientes nas áreas inundáveis. Esta hipótese de trabalho norteou as atividades científicas nas décadas que se seguiram.
Década de 1990: os trabalhos caracterizaram-se por estudos de processos e testes de hipóteses. Em 1997 foi editado pelo Dr. Wolfgang J. Junk o livro The Central Amazon floodplain. Ecology of a pulsing system. Nessa década, algumas respostas importantes foram obtidas para as seguintes perguntas:
1. Como as plantas herbáceas e árvores de florestas inundáveis reagem à oscilação entre fases terrestres e aquáticas com relação à produção primária e a atividade fotossintética? Como o sistema radicular das plantas reage a estas oscilações?
2. Como os invertebrados sobrevivem aos períodos de inundação?
3. O pulso de inundação induz a mudanças na história de vida e no comportamento dos invertebrados, e árvores das florestas alagáveis, levando à diferenciação genéticas?
4. Como o pulso de inundação afeta as condições físicas e químicas e o status de nutrientes no solo e na água intersticial? Como o lençol freático influencia o status de nutrientes da várzea?
Década de 2000: síntese dos estudos disponíveis, e preenchimento de lacunas no conhecimento permitiram postular modelos de uso sustentável das florestas de inundação e das áreas alagáveis da Amazônia Central.
Um conjunto de atividades realizadas em cooperação com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, juntamente com atividades desenvolvidas no âmbito do Programa SHIFT (Brasil/Alemanha), propiciaram o aprofundamento de estudos sobre o uso sustentável dos recursos das áreas alagáveis amazônicas. Como produto desse esforço, no final do ano 2000 (disponibilizado em janeiro de 2001), foi publicado o livro The Central Amazon Floodplain: Actual Use and Options for a Sustainable Management (2000) editado por Wolfgang J. Junk, Jorg Ohly, Maria Teresa F. Piedade & Maria Gercília M. Soares.
Os resultados mostraram que as florestas inundáveis da Amazônia são de grande valor ecológico e econômico, mas que os recursos naturais são muito vulneráveis e exigem métodos específicos de monitoramento, manejo, uso sustentável e esforços para a proteção. Florestas de várzea possuem um alto potencial econômico para a produção de produtos madeireiros e não madeireiros, quando adequadamente usadas. A alta pressão causada pela exploração não sustentável, a agricultura e a criação de gado resultam na degradação acelerada e na eliminação dos recursos naturais de alto valor, com efeitos de perda da biodiversidade.
Década de 2010: as atividades foram expandidas de áreas focais para a bacia amazônica, buscando confirmar padrões e expandir as atividades das áreas alagáveis para as áreas úmidas amazônicas em geral.
Além da manutenção de áreas focais de pesquisa nas cercanias de Manaus, e das ações de monitoramento da vegetação arbórea em cooperação com colegas do Instituto Mamirauá (Reservas Mamirauá e Amanã), a área de abrangência das atividades foi expandida para toda a bacia.